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Quem me representa agora?
(Desconstruindo um conceito do momento)
Roberto Queiroz

Nada é mais falado hoje em dia no Brasil do que representatividade. Por onde quer que se ande, seja lá o que você estiver lendo, assistindo, ouvindo, o tópico do momento é: quem me representa atualmente? E cá entre nós, deveríamos estar menos obcecados com isso. Pois a sensação que eu tenho é: estamos perdendo nossa própria personalidade. E tudo por causa de discussões que mais parecem modismos do que debates temporários.

Sim, isso mesmo que vocês leram. A sensação que eu tenho toda vez que me deparo com uma discussão sobre o tema é a de que a tal da representatividade tem a ver com efemeridade. Em outras palavras: "o que me representa agora não será o mesmo que me representará amanhã. Tudo é tão transitório, tão rápido, enjoa com a mesma facilidade que ganha fãs ao redor do mundo. Prestem atenção antes de dirigirem seus paus e pedras na minha direção.

Já foi tempo em que cultuar Beyoncé era o máximo, mas depois começaram a ficar incomodados com os cabelos lisos da moça. "Ela não tem cabelo crespo; não me representa". Como se as madeixas alisadas da musa do R&B fossem realmente fazer alguma diferença toda vez que ela canta "Crazy in love". Mais parece delírio de obcecados por um comportamento ou ideia fixa.

Outro ponto que me deixou preocupado - este mais recente - foi o retumbante sucesso de Pantera Negra, da Marvel, nos cinemas. Lembro que na sessão que fui assistir várias pessoas de cor saíram da sala de projeção exaltando a tal da representatividade com maior atributo do longa. Honestamente: se Pantera Negra os representa (digo isso aos espectadores da etnia correspondente) vocês gostam mesmo é de serem enganados. Jamais me veria representado por um África onde miséria, pobreza, AIDS e outras mazelas sociais sequer são mencionadas. Mais: todo o continente é vendido como uma mega potência. Demagogia, meus amigos, também tem limite!

A frase "fulano/beltrano/sicrano me representa" tornou-se tão óbvia e muitas vezes sem significado que ganhou ares de clichê. Virou modinha buscar representação em outros. Parece uma versão mais soft de cultos e dogmas religiosos.

Nunca entendi esse desespero da humanidade de precisar de um endosso vindo de fora. Por que não nos bastamos com nossos ideais e convicções? Será pedir demais tocar a vida com nossos próprios passos? E pior: há quem chame de fracos, covardes, àqueles que se encostam nessas estruturas justapostas, sob pena de não serem solidários a nada.

Consigo perfeitamente ser solidário a um dilema sem precisar seguir parâmetros pré-definidos de condutas. O problema real é que nos acostumamos a comprar verdades vindas de fora e isso se transformou numa espécie de modus operandi da sociedade contemporânea. Você precisa comprar, seguir, admirar alguém; do contrário, é visto como esnobe, exibido, melhor do que os demais. Poupem-me. Seguir representações externas não fará de você, meu amigo/minha amiga alguém melhor. No máximo, o transformará numa cobaia de tendências.

E tudo - praticamente tudo - hoje em dia é tendencioso.

Sinto muito por quem segue listas de influência e formadores de opinião. Coitados daqueles que não conseguem enxergar o mundo além da visão de mundo de seus ídolos. Ainda mais ídolos que precisam replicar os gostos, a maneira de se vestir, a fala, até mesmo as poses fotográficas de um mercado pop e cretino e (de novo) tendencioso.

Recentemente rolou uma discussão sobre a ausência de elenco negro na novela da Rede Globo Segundo Sol (pelo fato da trama se passar na Bahia, grande nicho da cultura afro-brasileira). Gozado. A mesma emissora já produziu seriados com elenco eminentemente de cor e mesmo assim foi criticada ou rotulada por alguma outra ofensa ou esquecimento. Até que ponto vai a questão da representatividade? Ela atinge, em algum momento, um nível de satisfação? Ou sempre haverá do que reclamar para que gere um lobby que atenda a determinadas demandas de certos grupos de interesse da sociedade? (Que o digam os segmentos LGBT em voga atualmente!).

Um exemplo melhor de representatividade me pareceu a série Dear White People, da Netflix (quero falar mais sobre ela num próximo artigo), passada numa universidade americana, e que trata da comunidade negra americana brigando pelo seu espaço no campus. Agradou-me, principalmente, o clima de do it yourself do grupo de universitários. Aquela coisa do "quem quer, vai à luta; não fica esperando por líderes e exemplos a serem seguidos".

E nesse ponto chego a um termo que merece ser exposto aqui: vivemos uma crise de identidade muito grande nos últimos anos. E continuamos refém daquela moral de que precisamos de novos líderes, messias, salvadores da pátria. Espero que um dia a sociedade acorde (olha eu e meus devaneios não-alcoólicos de novo!) e tome as rédeas da situação de vez.

Quem sabe assim nos tornemos menos carentes e passemos adiante essa ideia repetitiva de "preciso de alguém que me represente agora, nesse momento"...

Represente a si mesmo. Já passou da hora.

(Nota memoriográfica: o tema do artigo de hoje me fez pensar na época de colégio e naquelas infames eleições para representante de turma, que eu sempre detestei. Em todas as turmas em que eu estudei o representante sempre foi um rapaz ou uma moça que busca privilégios para si mesmo e nada mais. Não vi essa gente lutar por classe estudantil alguma. Por que agora seria diferente?).


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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