Fortaleza, (eu sei lá que data é hoje) de 2006
Painho e Mainha
Que vexame, hein?! Desculpem-me pelo contratempo, mas foi o jeito. Esperei tanto que perdi a paciência (lembram os pacientes do consultório de vocês?). Quando o médico fez o ultra-som (eita ondinhas chatas!), confesso que não fiquei muito alegre com a possibilidade de perder toda aquela mordomia (casa, comida, roupa lavada), mas que aliviado eu fiquei, isso eu fiquei. O líquido estava diminuindo, e eu praticamente nadando no seco. Não dava. Eu poderia morrer; e o meu sonho era nascer. Nascer!
Aquele instante mágico, fantástico, divinizado, em que vocês se deram um ao outro corpo, alma e coração, tinha de subsistir. Quantos anos de espera!... E naquele momento em que se deu início a maratona dos 300.000.000 - apressadinho como vocês já devem ter percebido - saí na frente. Uma escalada de aproximadamente dezoito horas separava-nos do alvo. Em relações de proporcionalidade, três vezes a altura do Monte Everest. E eu na dianteira. De vez em quando dava uma olhadela para trás; quando percebia alguma aproximação, apressava os movimentos. Quando a senhora andava, mainha, ou pulava, corria, lá eu escorregava e os outros se aproximavam mais e mais. Depois de longas horas de esforço até quase à exaustão, já bem próximo de uma bolinha que se encontrava num canal bem estreitinho, os outros me ajudavam de longe enviando energia para que eu não perdesse as forças (coisas de Deus!) e alcançasse aquela bolinha. No momento em que a penetrei, ela impermeabilizou-se, e tornei-me O VENCEDOR. Venci não pelos meus méritos, mas pelo Amor Daquele que me gestou no seu coração desde toda a eternidade, e me escolheu, e me elegeu, para que eu fosse o doce fruto do amor entre vocês.
Não deu para esperar os nove meses. Se eu soubesse que iria fazê-los sofrer, eu teria dado um jeito de esperar mais um pouquinho. Só faltavam seis semanas... O negócio é que seis semanas equivalem a 42 dias, 1.008 horas, 60.480 minutos e 3.628.800 segundos. Painho e Mainha, vocês acham que dava? Eu queria nascer para poder ficar em seus braços, sentir o calor de vocês, o amor, a ternura, o carinho, a dedicação, o olhar; ouvir palavras ternas e canções de ninar; sentir o aconchego e os afagos, relembrando as tuas mãos, painho, deslizando suavemente pela barriga da mainha, e me acarinhando também...
Ainda não estou em casa. Quem me mandou ser tão apressadinho assim? Encontro-me numa casinha (não é muito legal, não), mas ouço dizer que os meus pulmõezinhos ainda precisam se fortalecer mais e mais.
Fico feliz, muito feliz mesmo, quando o painho vem me visitar. As primeiras vezes estranhei porque ele estava sozinho. Nunca via você, mainha. Depois eu soube que você - por causa da minha pressa - estava com a barriga cortada e não podia vir também. Mas não fique triste, não! É um consolo pra você que me guardou mais do que em seu útero, no seu coração. Eu compreendi que você não vem, mas você sempre está presente naquele vidro que o painho traz com um líquido branco dentro, e falam que é o seu leite, é o meu alimento. Então você está aqui também, mainha, me nutrindo de você.
Aqui todos cuidam muito bem de mim. Tenho um tratamento cinco estrelas. Cercam-me de atenção e carinho, mas o que eu quero mesmo é ir para casa. Não vejo a hora de me mandar daqui. Quero ver o meu quarto, o meu berço, o meu lar. Quero sentir o calor da minha família que me espera; que me acolhe; que me ama. Quero logo me mandar daqui para poder olhar dentro dos seus olhos, mainha, para poder olhar bem dentro dos seus olhos, painho, e dizer com o pensamento: “Muito obrigado a vocês pelo dom da minha vida. Agradeço de coração porque não fui ABORTADO; e em breve verei o céu cheio de estrelas; contemplarei a beleza de uma noite de lua cheia; brincarei e correrei pelos campos cobertos de relva; sentirei o perfume das flores nos jardins; voarei no vôo dos pássaros; escutarei as fontes que cantam... E, sobretudo, verei e contemplarei as duas faces que me deram a vida, e olhando para o firmamento revestido de azul, pedirei: Papai do céu, abençoa sempre o painho Carlos e a mainha Irislene. Amém!”
LUIGI
ALMacêdo
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