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Tormenta
Mauricio Teixeira

Resumo:
As sensações e experiências vividas por um jovem esquizofrênico da alta sociedade.

Passava das dez da noite e a chuva era torrencial. Há tempos não se via chuva como aquela dos últimos dias. Pela vidraça, a impressão que se tinha era de estar diante de uma parede de água, como as que enfeitam os ambientes em requintados imóveis. O quarto ficava no alto da residência, afastado dos demais cômodos, como numa espécie de sótão, embora parecesse muito mais com um campanário, escuro e sombrio.
Na parede oposta a janela, jazia o corpo inerte de Lucas sobre um catre imundo e fétido, desprovido de qualquer asseio. Há poucos meses, jogara a cama Luis XV e toda a mobília do cômodo escada à baixo, durante uma de suas crises recorrentes. Havia mais de uma semana que Lucas estava ali, alheio a tudo que transcorria ao seu redor. As refeições, que a empregada deixava à beira do leito, eram recolhidas intocadas. Não estava sonolento ou desacordado, apenas indiferente a tudo e a todos. Não fazia um movimento se quer. Urinava e defecava ali mesmo, sem nenhuma sombra de constrangimento.
A família de Lucas era detentora de muitas posses, e tinha muita influência na sociedade local. Seus pais gastavam fortunas incalculáveis com médicos e internações, sem que Lucas apresentasse o mínimo sinal de melhora. Era para eles muito doloroso ver o único filho em situação tão degradante. Não se comentava outra coisa nas ruas e, não raro, eram alvo da curiosidade e chacota dos habitantes da pequena cidade de onde residiam.
As crises começaram a ocorrer, embora não tão frequentes como agora, quando Lucas entrou na adolescência. Acordava durante a madrugada e, completamente nu, descia as escadas. Abria a porta da entrada principal da casa e corria até o jardim, gritando freneticamente, despertando todas da casa. Jogava-se ao solo e masturbava-se compulsivamente até a exaustão, caindo desacordado logo depois.
Com o tempo, as crises foram se modificando e ocorrendo cada vez menos espaçadas. Não mais corria pelos jardins: Lucas, agora, sofria com terríveis alucinações que culminavam com a catatonia.
Aquele dia não foi diferente. Despertou de um medonho pesadelo, com o corpo banhado em pegajoso suor. Relutou e soergueu-se da cama, mas nela tornou a cair, tamanha a vertigem que sentira. Passados alguns minutos, tentou sair da cama novamente, e, dessa vez, não teve problemas. Caminho em direção a porta, abrindo-a. Espiou o lúgubre corredor, para certificar-se de que ninguém transitava por ele. Voltou ao interior do quarto e apanhou uma toalha no armário. Rumou pelo corredor até o banheiro e despiu-se. Jogou a camiseta que vestia no cesto de roupa suja e abriu o chuveiro.
Após um demorado banho, retornou ao quarto, envolto na toalha. Sentou-se à beira da cama e ali ficou por muito tempo, sem pensar em nada. Tinha o olhar parado, fixo em coisa alguma. Subitamente, levantou-se e saiu. Aparentemente, não havia ninguém em casa. Um silêncio mórbido reinava por toda a casa. Lucas podia jurar que eram dez horas da manhã, mas, a escuridão que via através das vidraças o desmentia. Repentinamente, tudo a seu redor girava. Recostou-se no sofá da sala de estar. “Essa vertigem vai acabar me matando”, pensou. Em instantes, tudo estava diferente: uma forte luminosidade invadia o ambiente. “-Algum problema, Lucas?” – indagou a serviçal. Lucas não respondeu. Sentia-se perplexo: há pouco julgava estar sozinho em casa, em meio a penumbra.
Subiu as escadas apressadamente e entrou novamente no quarto. Estaria enlouquecendo? “Deve ser efeito dos remédios”, disse de si para si mesmo. Deitou-se e acabou por adormecer.

Uma estranha sombra corria pela fresta inferior da porta, diminuindo a parca claridade que banhava o cômodo. “Estou sonhando???”. “Onde diabos estou?” “Que lugar imundo é esse?” . Lucas não sabia justificar para si mesmo onde estava, o porquê estava e como chegara até aquele lugar. Ratos percorriam os cantos do cubículo onde se encontrava. O cheiro fétido de carne apodrecida causava-lhe náuseas. Não havia ali nada além do leito sem conforto. Tudo que podia ver era a sombra que se movia paulatinamente de um lado para outro. “Estou preso! Só pode!”. “Mas, por quê?”.
Um movimento brusco e barulhento abriu a porta da cela de Lucas, e uma tênue luz invadiu o cômodo. Cobriu os olhos com o antebraço, sentindo as pupilas feridas pela claridade. Um golpe seco arremessou Lucas ao solo. Não teve tempo de intentar qualquer movimento, pois fortes golpes de chicote dilaceraram-lhe as costas. Nem mesmo gritar podia. “Estou mudo!!!”. A dor era intensa e o sangue brotava facilmente das feridas, escorrendo pelas nádegas nuas. “Estou nu! Por que estou nu?”. Foram apenas três golpes, mas parecera-lhe ter apanhado por um tempo inestimável.
Ali trancado, Lucas perdera por completo a noção do tempo. Não diferenciava os dias das noites. Estava abatido, sedento. No cárcere, não recebia alimentos e comida. Tudo que conseguia pensar é que, a qualquer momento, a porta se abriria e receberia novas chicotadas. Não sabia por que apanhava, nem quantas vezes, e nem há quantos dias. As feridas já não doíam, mas sentia que lágrimas caíam constantemente de seus olhos. Estava habituado a sentir o calor do sangue descendo-lhe pela espalda. Ouvia o guincho dos ratos pelos cantos e sentia-se cada vez mais aterrorizado.
Mais uma vez a porta se abria, mas, dessa vez, não sentiu o peso do chicote às costas. Sentiu pesada mão segurar-lhe pelos cabelos, jogando-o de bruços no leito. Estava apreensivo, suava frio. Sentiu algo quente aproximar-se de suas nádegas e começou a debater-se. Voltou a sentir aquela mão entre seus cabelos, dessa vez mais veemente. Estava debilitado, e o pouco esforço o cansara tanto que resolveu não resistir. Horrorizado, sentiu seu ânus dilacerando-se, causando-lhe imensa dor. “Por Deus, estou sendo currado!”. Aquela sensação pareceu durar uma eternidade, mas, em pouco tempo, a porta atrás dele já havia se fechado... Chorava copiosamente, enquanto sentia o esperma escorrer em suas coxas. Seu reto ardia e a dor era insuportável.
Conseguiu adormecer em seguida, mas, um estranho ruído despertou Lucas de seu sono. “Chuva!”. Abriu os olhos e viu-se em seu quarto. A chuva ainda caía torrencialmente. Sentou-se no leito e viu à cabeceira a refeição trazida pela criada. Pôs-se a comer como se há muito não o fizesse (e, de fato, não o fazia), engasgando-se por vezes. Notou, com repulsa, o cheiro forte de seus excrementos no ambiente. Olhou-se por um instante e constatou seu estado de imundície. Viu o leito sujo e sentiu asco de si mesmo.
Envergonhado, sentindo-se o pior dos seres, Lucas vislumbrou diante de si a salvação: aproximou-se da vidraça e, num impulso, jogou-se contra ela. Enquanto caía, reviveu os horrores de suas crises. Desejou que a queda fosse breve. Somente quando o seu corpo impactou de encontro ao solo, seus pensamentos silenciaram.


Biografia:
Técnico de enfermagem, nascido no interior do Rio Grande do Sul. Dedica as horas vagas à criação de contos e poesias. Vencedor do concurso Poemas nos Ônibus, evento promovido pela Prefeitura Municipal de Cachoeirinha, RS. Teve contos e poemas publicados em Antologias pela Editora CBJE.
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