Comemoração é o mesmo que ação de um grupo de pessoas que, juntas, re-lembram um fato importante. O nascimento de Jesus é um deles.
O que leva o grupo dos cristãos a se lembrar dessa data é o natal ou nascimento de um homem que, depois de saber de si e de constituir-se como indivíduo, foi capaz de doar sua própria vida em favor dos outros. Ou seja, a certeza de que houve alguém que desenvolveu a capacidade de pensar e agir para além de si mesmo.
Teoricamente, esta é a razão pela qual muita gente comemora o natal de Jesus. Ou melhor, seria este o motivo que levaria as pessoas fazerem festa, já que de uma forma ou outra são tocadas pelas ideias e ações daquele homem.
Seria e levaria, mas não é. E não porque eu não queira ou ache que não é. Não é porque, em geral, o que sabemos e vemos são pensamentos e ações totalmente opostos ao que disse e fez o aniversariante.
A história comprova que, desde o surgimento do cristianismo – ou conjunto de ideias e ações que serve a interesses econômicos, políticos, sociais e culturais muito mais que a interesses religiosos –, o ideal ‘doar a própria vida em favor dos outros’ sequer é ao menos lembrado. Tudo indica que seus líderes e seguidores que, em geral, decoraram essa ou aquela passagem de sua vida, não se lembram da mais importante – e revolucionária – mensagem.
Há algo mais perverso, por exemplo, do que justificar a escravidão de milhões de negros durante séculos no Brasil? De dizer que, como não tinham alma, era permitido que fossem espoliados, maltratados e mortos? E os inúmeros casos de pedofilia comprovadamente praticados pelos padres e congêneres? E a mercantilização das igrejas atuais, que vivem de vender missas, batizados, bençãos, cd’s, shows e outros serviços? O que, afinal, coisas como essas têm a ver com o nascimento do Jesus?
É inevitável constatar mas, a rigor, não há sentido algum comemorar o natal. Sei que é pesado dizer isto mas, a não ser pra reunir a família e os amigos – o que, a princípio, é sempre bom e saudável – pra que serve essa ‘festa’ se, de fato, não há o que comemorar? Comer, beber, atualizar fofocas e lembrar ‘coisas engraçadas’ que aconteceram preferencialmente com os outros, em especial, os que eles se deram mal – é isto o que tem pra ser comemorado?
Infelizmente, ainda estamos longe da real possibilidade de fazer de nossas vidas um serviço a quem quer seja. Ainda olhamos, pensamos e agimos muito em função do que esperam e querem de nós mesmos – o que, certamente, não tem nada a ver com o que pensamos e queremos pra nós mesmos.
Em outros tempos, e assim como em outras culturas, celebrar o mito era e é uma forma de cada um se fortalecer e, ao mesmo tempo, fortalecer o outro pra que, juntos, dessem e dêem conta da força e da coragem que tinham e têm pra serem senhores de si mesmos para, então, caso fosse ou seja necessário, doar a própria vida pra que o outro viva.
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