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PERIPÉCIAS DE UM CAPIAU
João carlos de oliveira

Numa certa região, localizada ao Norte do Estado das Minas Gerais, residia um velho capiau da roça. Cansado de tantos prejuízos, que se repetiam com certa regularidade, provocados pelas longas estiagens e secas, tão comuns ao Norte de Minas, onde o plantio das lavouras de subsistência, nem sempre significam colheitas, resolveu que deveria deixar o campo e se mudar para a cidade. Como naquela época, não se ouvia falar em aposentadoria dos velhos, quem sabe, na cidade, pudesse ele, encontrar um trabalho mais ameno, onde não houvesse necessidade de tanto esforço físico, para buscar a sobrevivência do dia-a-dia. Família reunida, decisão tomada, agora, a grande preocupação, seria que tipo de emprego ele deveria buscar na cidade, pois fora criado na roça a vida inteira, e não sabia ler nem escrever – esta era a grande questão. Conversa vai e conversa vem com familiares, alguém de cabeça mais iluminada, lembrou, em bom tempo, que ele possuía um primo na cidade, muito bem sucedido na vida, que inclusive, era o diretor de um colégio Estadual de renome na região. Quem sabe, este primo a quem não o via há muitos anos, pudesse ajudá-lo a arranjar um emprego? Assim reunidos, todos concordaram que a lembrança aconteceu em boa hora. Aproximava-se, do final da semana, uma vez decisão tomada, foi planejado, a sua ida para a cidade nos próximos dias. Chegado o dia escolhido, logo pela manhã de uma segunda feira, ele rumou para a cidade. Como diz o velho ditado popular: Quem tem boca, vai a Roma. Com ele não foi diferente, tão logo desceu do ônibus na rodoviária da cidade, não se fez de rogado, foi logo perguntando de boca a boca, onde ficava o tal do Colégio, onde seu primo era o diretor.
Chegando ao majestoso estabelecimento de ensino, uma vez já nas suas dependências, logo se apresentou para a secretária da diretoria, como sendo primo do diretor da instituição, e que nesta condição, gostaria de ser recebido por ele em particular.
A secretária muito educada, ainda mais, por se tratar de um primo de primeiro grau do seu diretor, logo tomou providências para anunciar a sua presença naquela Escola. E, assim, ele foi anunciado.
Ao ser introduzido na sala do diretor, e, como faziam muitos anos não que se viam, ele foi recebido entusiasticamente pelo primo-diretor, que lhe manifestava, da sua alegria em revê-lo, depois de tantos anos.
Feitos os cumprimentos e saudações de praxe, uma vez já acomodados nas suas respectivas cadeiras, o diretor que era um homem dinâmico, perguntou ao primo: Primo! Estou surpreso! Sua presença aqui é novidade! Como sei que você raramente vem à cidade, algum motivo muito especial o trouxe até a mim, no que posso ajudá-lo?
O capiau respondeu-lhe: Pois é primo, de fato, saio muito pouco da roça – fico anos sem vir por aqui -, más é que faz muito tempo, venho matutando com a minha
cabeça, que deveria ir me embora da roça, pois como você sabe, o tempo mudou muito desde que você deixou o campo, já quase não chove mais, é uma seca danada, venho lavrando a terra desde menino, e os resultados não aparecem, é uma vida muito dura e sofrida primo! Como não sou mais nenhum jovem, já não estou mais agüentando o batente do dia-a-dia, da foice, da enxada e do machado, já não tenho mais saúde para agüentar esta vida dura não! Além disso, meus filhos estão sem estudar, pois todos já terminaram o ensino que a escola lá da roça, os oferecia! Assim, justamente, em conversa com meus familiares, decidimos todos, que deveríamos nos mudar para a cidade, onde existem maiores oportunidades de trabalho, quem sabe, mesmo idoso, eu possa continuar trabalhando? Apesar da minha idade, coragem e disposição não me faltam, só que gostaria de trabalhar num serviço mais leve. Como sei que você é o diretor desta grande escola, e conhece a muita gente por estas bandas, lembrei-me, quem sabe pudesse me ajudar?
O diretor, em resposta, disse-lhe: Bom primo, eu não sei exatamente como posso te ajudar, más alguma coisa tenho que fazer por você. Virando a sua cadeira de um lado para o outro, após alguns contatos internos e telefonemas, o diretor, virando novamente a sua cadeira, agora de frente para o primo, fixando-lhe, disse: Olha primo, eu estava falando na secretaria de administração desta escola, segundo a nossa secretária, coincidentemente, existe uma vaga de trabalho disponível aqui, quem sabe serviria inicialmente para você? Trata-se de uma vaga para guarda de portaria do colégio, e se caso você tenha interesse, o salário a ser pago é o mínimo, e você poderá começar o mais rápido possível, é só o tempo de você arrumar a documentação e fazer a sua mudança.
O capiau sorriu satisfeito, em seguida, agradeceu ao primo, lhe dizendo, que a vaga lhe serviria por demais, e que ele trataria de fazer logo a sua mudança, para assumir a vaga o mais breve possível, mesmo porque, ele estava precisando.
Não demorou muito, e a mudança foi realizada, ao posto de guarda de portaria, ele assumiu.
Passado o primeiro mês de trabalho, as coisas pareciam-lhe, estavam se encaixando. Ao receber o seu primeiro salário, quando a folha de pagamento dos funcionários lhe fora apresentada para assinatura, ele não teve como assiná-la, pois era completamente analfabeto, sendo necessário, que a secretária de administração, lhe providenciasse, uma assinatura a rogo, com aposição da impressão digital do seu dedo polegar direito.
Fato é, que a secretária levou o assunto ao conhecimento do diretor, quando lhe informou, que seu primo, embora fosse um homem de boa vontade, não serviria para trabalhar na instituição, pois era completamente analfabeto, que ela sentia muito, ele não enquadrava nas exigências do cargo.
Convidado pela secretária, o capiau foi levado a presença do diretor, ao que lhe inquiriu: Uai primo! Você não sabe ler nem assinar? Acreditava que você tinha ido a escola? Estou muito surpreso!
O capiau lhe respondeu em seguida: Pois é primo! É prá você ver como é a vida. Seus pais o colocaram na escola, onde você não perdeu tempo, e aprendeu a ler e escrever, pontapé inicial, para que você pudesse estudar e crescer na vida, lhe permitindo, que pudesse chegar até aqui, no posto de diretor desta escola tão grandiosa. De minha parte, nunca tive este incentivo e nem esta oportunidade, fui educado para lavrar a terra, puxando enxada de sol a sol, batendo foice, cortando de machado, desde muito
novo. Não culpo meus pais não – que Deus os tenha lá em cima -, eles não tiveram a mesma visão dos seus pais, e sou eu mesmo, o responsável desta maior parcela de culpa, pois nunca gostei mesmo de estudar.
Com a voz meio embargada, o diretor lhe disse: Pois é primo, infelizmente, não tenho uma boa notícia prá você! Por força de ordem legal, estamos impedidos de contratar pessoas analfabetas para trabalhar nesta instituição. Aos seus olhos, pode até parecer-lhe, que detenho um cargo muito bonito e que mando em tudo por aqui, mas a grande verdade, é que não sou o dono. Esta é uma instituição do Estado, e como tal, existem regras. Como você é analfabeto, a nossa secretaria de administração me informou, que por força das exigências do cargo, não temos como mantê-lo trabalhando na escola. Eu sinto muito.
O capiau ouvindo a tudo calado, ao final disse-lhe: Pois é primo, as coisas são assim mesmo! Eu compreendo. Quando as coisas dão certo, muito bem, mas quando não dão, paciência. Mas não tem importância não, fico-lhe, muito agradecido, você fez o que pode!
Feito as despedidas e pedidos de desculpas, meio desolado e sem norte, o velho saiu do prédio da escola já matutando com a sua cabeça. Retirou seu velho chapéu de couro da cabeça, olhou para o céu, e exclamou: Meu deus! Que será de mim ? Onde é que eu me meti, meu Deus! Abandonei a roça, a procura de melhoria aqui na cidade, mas parece-me, que as coisas estão dando errado para mim! Será que um pobre homem assim como eu, não tem mais chances nesta cidade tão grande e tão rica? Como pequeno sitiante, sempre fora patrão de si próprio, e não estava acostumado a obedecer horários, cumprir formalidades, obedecer a regras do trabalho. Agora, pela primeira vez na vida, estava desempregado, situação esta, que ele já tinha ouvido falar, só que de longe. Para sua maior preocupação, lembrou, que nem casa ele tinha, pois ainda não havia providenciado a venda do sítio que deixou para trás. Como homem de responsabilidade, pensou consigo mesmo, que haveria de fazer de agora em diante? Voltar para a roça, talvez não fosse a solução, de lá ele já havia vindo. Pensou, pensou, matutou com a cabeça, imaginou fazer uma coisa e outra, arranjar outro emprego - trabalhar de guarda em construções....., quem sabe, nesta função não lhe exigiriam estudos ? Bom, decidiu, que a melhor coisa que tinha para fazer naquele momento, era voltar para casa, esfriar a cabeça, e decidir o que fazer depois – conversar com seus familiares.
Após este fato, passaram-se meses, e o velho capiau, infelizmente, sem conseguir adaptar-se, não conseguiu arranjar um emprego decente na cidade grande, teve o mérito de fazer várias experiências, trabalhando muito tempo, como guarda de obras na construção civil. Sua família acostumada ao campo, logo tomou gosto pela cidade, e logo decidiram, não mais voltariam para a roça. O pequeno sítio, deixado para trás, foi logo colocado a venda, e o dinheiro arrecadado, somente deu para a compra de pequeno barracão num bairro de periferia.
A breve trecho de tempo, a grande verdade, é que o velho capiau, foi mais uma vítima do êxodo rural, drama vivido pelos milhares de retirantes do Norte de Minas, e do Nordeste brasileiro, que fugindo da seca, migram para a periferia das grandes cidades brasileiras, provocando o inchamento delas, e o seu crescimento desorganizado.
Esta migração, desordenada e sem planejamento, é composta por pessoas com mão de baixa qualificação, alimentando o desemprego, e o sub-emprego dos grandes centros, a construção de favelas, pobreza, prostituição, violência.
Não se passou muitos anos, o velho capiau, que não se adaptou na cidade, se sentia cada vez mais triste, via-se, como se fosse um peixe fora d´água. Homem criado na liberdade do campo, sentia-se, cada vez mais acuado, e seu mundo agora, se limitava às quatro paredes da sua casa. Não se demorou muito, começaram a aparecer as doenças. Permanecia cada vez mais, nas longas filas dos hospitais beneficentes, até que a morte, veio ao seu encontro prematuramente.
Montes Claros, 16/04/2013
João Carlos de Oliveira
E-mail: zoo.animais@hotmail.com


Biografia:
Nem mesmo cairá uma unica folha de uma árvore, se caso não exista uma razão para tal!
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