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UM CASTELO PARA MARIALVA
Emil de Castro

UM CASTELO PARA MARIALVA


Branca de Neve sentava no beiral da janela do presídio e com as pernas penduradas por entre as grades, ficava apanhando sol, cantando, assobiando, mexendo com o pessoal que passava na rua da Colônia. Às vezes tinha saudade do Camburi e planejava um bocado de coisas boas: terminaria sua pena, voltaria para casa de tia Zoca, para ajudá-la a carregar a família, casaria com Marialva e iria morar na beira do bambual. De noite ficaria ouvindo o vento nos bambus. Tão bom ficar passeando os dedos nos cabelos de Marialva. Porém, quando a sirene do presídio soava, esquecia tudo. Voltava para o cubículo, misturava-se com os companheiros e começava a maquinar uma maneira de escapar da prisão para juntar-se ao bando da Lapa.
Agora tinha mais tarimba. Conhecia os caminhos, sabia o lugar onde os pescadores costumavam esconder as canoas, quando vinham da pesca e até tinha consigo um punhal de dois gumes para usar se houvesse necessidade. A primeira fuga redundara em fracasso, apenas por falta de experiência. Só por isto, senão tudo teria sido resolvido. Estaria a esta hora no meio da companheirada da Lapa, fazendo e desfazendo. Muito importante naquela roda, freqüentando o “dancing” e não se importando com quantas picotadas tivesse no cartão. Depois iria de braços com a melhor mulher da casa. Dinheiro nunca lhe faltando no bolso.
- Faltam quinze minutos, Branca de Neve!
O outro do cubículo organizara todo o plano da fuga, desenhando, inclusive, o mapa do itinerário. A turma escolhida era Paulista, Raulino, Russo, Negrão e ele. Fazia parte da turma da lenha, levava enrolado no ombro uma corda e conduzia um facão na cinta. A fuga fora precipitada, sem facão nem corda. Escaparam apenas ele e Raulino. Os outros não tiveram coragem nem jeito. Escalaram o morro para o lado do bico do Papagaio, desceram depois até a praia. Três dias sem comer, quase sem dormir, os pés cheios de cardos. Foram recapturados no quarto dia após a fuga, quando dormiam exaustos à beira da palmeira da praia.
A cela era de um metro. Branca de Neve sentia o corpo arder, tinha sulcos no peito e nas costas que escorriam sangue. Raulino não resistira e caíra de boca no cimento. Três dias de molho, gemia e se contorcia a noite inteira. Um guarda veio retirá-lo da cela na manhã seguinte, mas Raulino era fraco do pulmão morreu. Branca de Neve viu-se de novo no cubículo. Reviu Paulista, Russo e Negrão. No dia seguinte, o guarda veio apanhá-lo, apresentou-o ao diretor que mandou que se pusesse nu. Permaneceu nu encostado na parede durante uns quinze minutos com os olhos do homem a passear em seu corpo.
Acostumara-se com os outros a juntar objetos de toda espécie, mesmo sem um fim determinado. Ultimamente se tinha dedicado a fazer castelos de palito de fósforo, a fim de vendê-los aos visitantes e conseguir dinheiro para o jogo que faziam às ocultas, depois do toque de silêncio. Até que lhe deu na idéia de construir um castelo para Marialva. Seria o mais belo castelo feito por um presidiário: majestoso, de altas torres, todo envernizado, semelhante a um daqueles castelos que havia visto numa revista de arquitetura. Seis meses naquele trabalho de artesão, cortando aqui e ali, colando palito por palito, ajustando ao estilo da maqueta que tinha na imaginação.
Foi obrigado a matar Negrão. Aquilo não era coisa que se fizesse com a obra dum artista. Ali estavam no canto do cubículo, entre os escombros do castelo, as duas torres com o nome de Marialva escrito em letras góticas.
Depois, quando soube de casamento de Marialva, tentou enforcar-se com a camisa de zarcão, mas não morreu. Foi transferido da Colônia e por muito tempo não se soube notícias dele.
Sua pena havia sido dilatada para mais trinta anos. Voltara à Ilha Grande mais duas vezes. E, finalmente, desapareceu por completo. A última notícia que se teve de Branca de Neve depois disto, foi que estava com os cabelos brancos, brancos como neve.


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