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PEIXINHO NO AQUÁRIO
Tales dos Santos Lima

Resumo:
Um conto sobre consciência da liberdade. Meu primeiro conto.

É interessante quando de repente nós somos levados à compreensão de algo em sua essência – uma epifania; olhos que enxerguem além e através “dê”, bocas que possam se abrir para revelar o que realmente sentimos. Tenho uma história para contar quando este momento chegou.
Muitos consideram que seja uma distração, aquelas coisas que compramos para nos trazer algum alívio do peso que é viver sob uma atmosfera em que cada ambiente temos que interpretar um personagem diferente numa grande peça trágica, outros apenas usam como objeto de decoração – confesso que é muito bonito, a casa pode ser feita de palha, mas um aquário traz um toque especial a qualquer lar. Gosto de algo em que possa ocupar minha mente, e é até legal ter algo sob meus cuidados: alimento-o, troco sua água, o limite do seu espaço sou eu quem determino, até decoro seu habitat - quero que ele sinta-se a vontade, digo umas palavrinhas de carinho e admiração: “- Oh meu peixinho querido, como gosto de você!”.
Impreterivelmente todos os dias as mesmas horas paro para observar meu peixinho naquele quadradinho e me divirto com sua forma de se mover pela água, dou gargalhadas ao ver sua intenção de ir mais fundo e de repente ter que parar, de fazer seu percurso para os lados apressadamente. O aquário está a minha frente, sento numa poltrona muito confortável e fico a observar, horas depois desse momento de diversão que minha mente diz que completei meu trabalho vou deitar com minha consciência em paz e me sentindo realizado. Esta é a vida.
- Que desgraça de vida, murmura baixinho e os olhos se fecham e o sono chega.
-Será que o peixinho dormiu? Há algum descanso? Pouco me importa, contanto que ele me divirta e continue enfeitando esta casa, do contrário compro outro.
Logo a noite chegou outra vez e como de costume sentei-me na poltrona e tive um sentimento diferente esta noite; o peixinho não se movia, ficava ali parado a olhar para mim, isso me incomodou, levantei e dei umas batidinhas no vidro do aquário: - “Ei, mova-se!”, ele não se moveu, voltei ao meu lugar e fiquei a observar, o olhar do peixinho ainda continuava a fitar-me, será que esse miserável peixinho quer me dizer algo, ficava me perguntando. O olhar do peixinho se concentrou ao meu e mantivemos contato, de repente nossas mentes se conectaram, eu conseguia ouvir o peixinho, aquele misero peixinho.
- Eu quero mergulhar mais fundo. Eu soube que há águas aonde eu possa ir mais além, disse o peixinho.
- Você não pode! Vai morrer! Quem irá te alimentar? Você sabia que há predadores? Eu posso te conceder mais uns centímetros de espaço, eu posso trazer outros peixinhos pra te fazer companhia. O que acha? Mas não saia desse aquário, se você sair vai morrer.
- Eu quero sair, há muito tempo você me mantém preso, você rir dos meus movimentos, mas não entende a angústia, há novas águas e eu quero poder ser livre, você acha que eu não sei o que é liberdade, você quer que eu desista de ser livre por suas palavras de medo, você é controlador, sádico, seu passatempo é me ver preso e acha que está me protegendo do quê? Não fui formado pra isto. Não sou um brinquedo, eu tenho uma vida, diferente da sua, mas é uma vida e eu tenho consciência disto.
- Consciência? Você não sabe o que é isto.
Tempos depois houve silêncio naquela casa. E este silêncio amedrontava o peixinho, sua voz era abafada pelo medo, seus movimentos continuavam de angústia.
- Aquele humano não entende, mas eles são criados assim, eu tenho que aceitar isto, eles também vivem num grande aquário e não percebem que estão presos a pessoas, a instituições que dão valor na medida em que eles se movimentam, preso a religião porque não conseguem ser livres de verdade. Ainda que tenham a teoria da liberdade não sabem aplica-la, eles têm medo.
Sentado à beira da cama pensava sobre o que havia acontecido naquela noite estranha e me perguntava como seria possível isto de um peixe falar a sua mente, e além do mais, falar sobre consciência, liberdade, vontade; onde já se viu isto? Não pode, não existe, tentando me convencer. Mas o fato é que aconteceu, não posso negar.
- O que farei com este peixinho? Ninguém pode me questionar, não aceito, eu tenho a razão, eu possuo um cérebro evoluído que coordena meu raciocínio e este miserável vem querer liberdade depois de eu ter alimentado, ter livrado dos males do mar. Ah, já sei, quem sabe se eu não por mais peixinhos e treina-los a viver nesse glorioso aquário ele não queira ficar, vou treinar os outros peixinhos a ter medo e ficarem dependentes de mim, eles irão me adorar e aquele peixinho ingrato irá reconhecer que é bom estar comigo, aqui, nesta casa.
As luzes se apagam, resolveu-se tudo na mente, está tudo combinado, amanhã eu compro mais peixinhos, informo a eles do glorioso aquário que eu tenho e como eles estarão no paraíso, um lugar de alegria e onde todos serão iguais, haverá alimento para todos – um local perfeito, não há outro igual.
Não foi uma noite tranquila, o sono não veio, havia algo a pressionar a cabeça, os olhos giraram em torno de sua orbita a procurar se havia alguém naquele escuro, e nada. Levantei-me da cama e fui beber água, ao passar pela sala olhei o peixinho no aquário e outra vez paralisei, os meus olhos foram atraídos pelo olhar do peixinho e mais um diálogo ocorreu, desta vez não houve palavras, talvez o silêncio fosse o diálogo que ambos sabíamos muito bem interpretá-los. Dizem que a estupidez se vence pelo silêncio.
- Tá certo, amanhã veremos!
Novos peixinhos foram adicionados àquele habitat sintético e meu plano de treina-los como queria que eles agissem deu certo, mas o peixinho não se deixou ser conduzido por aquele controle, ele reconheceu as intenções.
- Nós em breve vamos morrer por falta de oxigenação nesta água, esse suposto cuidado vai acabar, o alimento irá faltar mais cedo ou mais tarde. Vocês não veem o quanto ele se diverte com esta apresentação nossa, ele se sente o dono do mundo, ele rir, e enquanto isto nós estamos fadados à morte e sabemos que há águas mais profundas. Não acreditem nessas palavras vazias de carinho, nesse habitat artificial, isto não é o mar, essa luz que está sobre nós não é o sol, é tudo mentira.
- Não acreditamos em você!
- Abram seus olhos e vejam ao redor.
- Tudo bem, já olhamos e nos parece tudo em ordem, temos alimento, água limpa, proteção, o que mais poderíamos ter?
- Vocês são livres, têm vontades próprias, vocês têm consciência para qual proposito foram criados?
- O que significa tudo isto?
- Abram seus olhos e vejam ao redor.
- Olhem, lá vem o humano, vamos para mais perto e giremos.
- Isso, meus peixinhos, girem, girem, movam-se!
- Aquele maldito peixinho não se move. Peixes olhem aquele peixinho, que ridículo ele, não é peixe como vocês, olhem, olhem!
- Amigos, irmãos, olhem e vejam. Há um mar para nós, uma luz de verdade.
- Não existe! Estamos tão bem aqui, por que insiste nisso?
- Não é a nossa vida, é tudo mentira.
- Ataquem-no!
Meses depois resolvi ir pescar, coloquei minha cadeira a beira do píer, fechei meus olhos para receber aqueles raios de sol que me banhavam naquela manhã e que sensação gostosa, de súbito um vento forte me desequilibrou e cair naquele rio, não sabia nadar, gritei por socorro e ninguém me ouviu, então compreendi que chegou minha hora e vi meu corpo a afundar e os últimos resquícios de oxigênio se esvaírem como bolhas de ar voltando à superfície, então percebi que alguns peixes se moviam ao redor de mim em espiral como se estivessem a dançar e me acompanhar para o fim. Meus olhos se fecharam em sinal de rendição ao inevitável de toda carne. Minha mente voltou-se para aqueles peixes que deixei no aquário.
- Agora eu entendi aquele miserável peixinho.
     

Ilhéus-Ba, 10 de Agosto de 2019
                                                                    Tales dos Santos Lima.





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