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  Texto selecionado
testamento de um suicida
A vida às avessas
José Rony de Andrade Alves

Resumo:
trata-se de uma crônica, sem caráter depreciativo. Trata-se dos últimos momentos de um suicida, narrando os motivos de sua angústia. Traz um caráter reflexivo. E não tendencia a nada, pois é uma narrativa meramente demonstrativa. Entretanto, no final traz uma perspectiva positiva rente a uma temática tão polêmica como o suicídio. Observação: só leia se tiver coragem ;)


Sexta-feira, oito de abril, 2011. Faltam 2 dias para a redenção. Estou deixando meu testamento para quem um dia vier encontrá-lo. A princípio, o meu projeto tinha sido apenas uma mera aspiração sem fundamentos, apenas um desejo profundo e que de tão fundo que estava não corria risco de vir à tona. Eu estou passando por um momento conflituoso em minha vida, discussões familiares, desafetos, solidão, vazio existencial, pesadelos, fazem parte da minha vida. No momento em que estou escrevendo, tenho 17 anos. Tenho uma vida consideravelmente medíocre, pacata, para um estudante de ensino médio. Sou órfão de pai e mãe; moro com meus tios. A solidão é minha verdeira companheira. Ultimamente tenho tido muitas decepções, tanto amorosas quanto pessoais, e essas moldaram aos poucos a minha visão de mundo e, agora, estou no auge das minhas convicções. Nunca estive tão certo quanto agora estou. Cada dia nos últimos 3 meses foram gastados com muito esforço no meu grandioso projeto: A Redenção. O motivo cru e fúnebre da tona das minhas aspirações foi um fato que ocorreu em minha vida, a três anos atrás, —em específico, dia 13 de dezembro, em um sábado — quando eu fui em uma viagem de férias com meus pais e minha irmã acampar no camping field Jeremy, no interior da cidade de Barvanda. Era para ser uma viagem como tantas outras remanescente, aproveitar as férias, apreciar a paisagem campestre, respirar ar fresco, pescar e outras coisas característica do lugar. Ao chegarmos, eu e minha irmãzinha —Melissa— fomos perscrutar as redondezas do acampamento, e encontramos perto de uma moita de amora silvestre uma cruz pequena findada no solo. Aquilo no momento, incutiu-me uma grande curiosidade, pois até então eu não sabia o que era aquilo, e, eventualmente, arranquei a cruz do solo e analisei o objeto cautelosamente — achei bem interessante; minha irmãzinha começou a brincar com a cruz. —vrumm vrumm. Ela brincava com a cruz imitando um avião e eu imitando outro com um graveto, perseguindo-a. A ingenuidade e a candidez nos eivava naquela ocasião. Após algumas horas perscrutando e brincando, peguei o artefato da minha irmã e joguei próximo onde encontráramos e, assim, fôramos embora. No dia seguinte, a tarde, resolvi voltar ao local inusitado, e ao chegar, não encontrei mais a cruz, e fui a procura em torno do perímetro circundante e, acabei não encontrando nada e, assim dei de ombros.
Em uma manhã de ensolarada, próximo ao acampamento, em um lago calmo e reluzente fui pescar —pescar foi o esporte mais radical que pratiquei durante minha vida—, após alguns minutos de calmaria, o primeiro condenado dava sinal, e assim, o primeiro, o segundo, e dessarte, o terceiro, finalizando a minha pescaria. As trutas eram graúdas e suculentas, entretanto, eu era, vegetaliano, tinha pavor sangue, carne. Apenas gostava de pescar e não de consumir. Entretanto, meus pais e minha irmã adoravam peixes. Após meu pai tratar dos peixes, colocou-os na caixa de gelo para conservá-los e outrora comê-los.
Durante a tarde, fui até um monte próximo apreciar o poente — era um esplendor. O sol se despedia do dia e a lua exsurgia na noite, era um momento quase único, pois vivia em uma cidade e lá era impossível apreciar o horizonte límpido —a não ser o horizonte vertical de construções. A noite beijava-me calmamente ao som dos grilos, o silêncio era revigorante, a brisa gélida dava uma verdadeira paz de espírito.
Talvez eu devesse agilizar a narrativa e contar de vez o motivo da minha agustia, mas isso seria como não existir; neste momento em que conto a vocês estou existindo, apenas assim irei imortalizar: roubando segundos, minutos de vocês, por mais que sejam mínimos ou insignificante para quem tem um vida toda, para mim é um momento de esplendor, um momento em que eu serei imortalizado na mente de vocês, se é que vá existir algum leitor, caso contrário imortalizarei ao tempo da durabilidade deste papel, em que escrevo estas últimas recordações de uma vida que vai entrar em degredo no esquecimento eterno.
Voltando ao que dizia, a noite me acariciava, o silêncio era bom, mas uma chuvinha fina que começava a cair fora um tchau que mais tarde se converteria em lágrimas, temores e vingança. Ao sair do monte, desci ao chiado das lágrimas dos céus, rumando ao acampamento — naquele momento foi o último momento de paz espiritual que tive até hoje. Ao chegar lá, estávamos todos felizes, ainda mais com a chuvinha que abençoava a nossa noite —como é bom dormir ao som da chuva. Nessa noite, eu comi batata, cereais e leite, e os outros comeram truta com batata.
Com os primeiros raios de sol, que tingiam o horizonte, davam luz aos prados, delineavam os montes e assim, refletiam dentro do acampamento prenunciando um novo dia, com esperanças, aventuras e vigor —Assim eu imaginava. Não obstante, dentro do acampamento uma coisa horrível estava acontecendo, meu pai, minha mãe e minha irmã estavam muito mal, tossiam sangue, vomitavam, lamuriavam de dores intensas no abdômen e, assim eu deduzi, é bem provável que tinha sido as trutas que estavam contaminadas. Eu sem saber o que fazer, perguntei ao meu pai:
— o que eu faço?.
—pegue o celular e chame uma ambulância, chame ajuda. Coff, coff! e o sangue jorrava.
Quando comecei a ver sangue, vômito, meus pais morrendo, uma vertigem momentânea azucrinou-me—quase desmaiei— ,comecei a vomitar e me sentir tonto, entretanto, sai da tenda e fui lá fora ligar a alguém. Sem área de cobertura, corri até a camionete e peguei a caixa de primeiros socorros, e levei até eles, meu pai ainda estava consciente, pegou alguns remédios e se automedicaram. Melissa era a que mais estava doente, estava muito mal, muito pálida. Ao ver todo esse ínterim, corri até o monte e rezei por linha telefônica. Liguei para números de emergência e, após alguns minutos, consegui obter resposta, expliquei a atendente tudo o que ocorrera e ela me aconselhou a ficar longe deles e manter-se na linha, que o socorro já estava a caminho. Passaram duas horas... eles chegam... e fico vendo de longe, homens encapados resgatando-os e depois desmaiei. Acordei 2 dias depois, tinha machucado minha cabeça ao desmaiar, perguntei por meus pais e não me responderam nada. Fiquei sabendo que um vírus estava contaminando os animais daquela região. Nem sequer fui ao funeral, eu estava na quarentena; meu pai, minha mãe e minha irmãzinha foram ceifados pelo suposto vírus. Após quinze dias de quarentena, recebi negativa de vírus e assim fui liberado; meus tios vieram me buscar. Era uma nova vida que começava, ou melhor, um resto de uma que terminava. Daí em diante, fiquei realmente angustiado, poderia ter sido comigo, para quê fui pescar? A culpa pesava cruamente sobre minha consciência. Algumas semanas depois a perícia informou aos meus tios que o motivo da contaminação não foi os peixes e sim, uma cruz que estava dentro do acampamento. Isso que causou muita dúvida. Quem colocou a cruz lá dentro? Minha irmãzinha talvez! Mas porque eu não fui contaminado seu eu brinquei com a cruz anteriormente. Esse é um mistério que guardo comigo até hoje. Já tentei formular algumas hipóteses, como ser imune ao vírus, ou ter sido abençoado por um milagre, ou até mesmo não ter tocado na parte contaminada.
Pronto, agora já contei o motivo das minhas angústias. Não é fácil carregar um fardo como esse. Não é fácil perder todos meus entes queridos. Em verdade, nada é fácil na vida. Eu realmente me cansei da vida. Não faz diferença em morrer agora ou depois, um dia todos vamos. Então estou fazendo um favor para a morte, ou melhor, estou dando um descanso a ela; talvez quando for meu destino de morrer, a morte possa ter um momento de descanso, pois como disse: vou premeditar o destino. Há três meses, eu vim me perguntando, qual é a melhor forma de se suicidar? pular na frente de um carro? se enforcar? se afogar? se esfaquear? pular da ponte? atirar-se com arma de fogo?
Depois de tantas possibilidades analisadas, vi que, de fato, a consequência de todas era a morte, entretanto, muitas delas são falhas, e falhar um suicídio pode ser algo muito transtornante e acima de tudo, muito traumatizante. Não quero viver mais um dia com meus traumas, imaginem com mais um?. realmente seria se torturar antes de morrer. Torturar-se não vai ao meu tipo. Quero algo que elimine a possibilidade de sofrimento, tendo em vista que, já sofri muito. Com muito empenho e planejamento, escolhi a que mais se enquadrou comigo, mensurei todas as possibilidades, calculei todos os possíveis erros e ontem a tarde terminei o meu projeto que o chamei de “A Redenção”.
O mais difícil do suicídio é como premeditá-lo. Realmente é algo que só traz angústias. Eu pesquise vários sites, vários formas e vi que não tem uma regra geral.
Em suma, meus únicos pertences de valor são um relógio do meu pai, um violão que ganhei dos meus tios e uma coleção de vídeo games para todos os gostos; o primeiro que encontrá-los terá o direito de tê-los. O resto (roupas, sapatos), podem doar a alguma instituição ou melhor, se acharem melhor, queimem. Mas saibam que não vou amaldiçoar nada. Nem vou ficar aparecendo no espelho ou ficar feito um fantasma sem ter o que fazer. Claro que vou ter o que fazer... hmm uma boa pergunta... o que eu vou fazer quando morrer? na verdade o que vai ser de mim quando eu morrer? vazio? nada? hmm. realmente é contristador pensar assim. Eu nunca tinha pensado nisso; o que vai ser de mim após a morte? E se realmente existir vida, serei condenado por ser um suicida? Aqui homicida é preso, será que lá suicida também é?. eu estou querendo sair da tormenta para cair na prisão, talvez não seja uma boa escolha. Talvez isso tudo, seja uma idiotice, ou não. Mas pensando bem, imaginem se quando eu me matar, eu vá ficar em uma prisão lá, e pelo tempo de lá, viver uma eternidade preso é pior do que viver uma vida sofrendo.
Para que fui escrever este testamento, ao invés dele me motivar, estar me desmotivando. Para que fui pensar em escrever? Estava tudo tão perfeito, um plano, milimetricamente calculado, ninguém me impedindo, e agora eu estou me auto impedindo... Agora estou com medo. Nunca tive medo... humm. claro que tive. Mas estava com convicção, ou melhor eu acho que estava. Perder esta vida que, tirando os fantasmas do passado, não é um castigo, é até legal.
Agora já pensastes, se quando eu morrer simplesmente perder a consciência e entrar no esquecimento? Realmente é um risco considerável. Para que pensei em me matar? Só acho que vou esquecer essa loucura, continuar com a minha vida, e quem sabe um dia, vencer na vida.
Só lembrando que se acharem alguma coisa minha não é mais de quem achar. Retiro o que disse anteriormente...
Vou estudar que amanhã tem prova de matemática...
Tchau!


Biografia:
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