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Lacunas
Bruno Leonardo Galdino de Azevedo

Quando me deparo com tal palavra, lacuna, vem à mente uma noção de vazio que parece tentar preencher certa ausência, que somos remetidos ao concebê-la.
Mas não se deve esquecer que ao mesmo tempo, a lacuna preenche este suposto vazio não percebido com sua forma de ser, procurando consubstancializar-se como elo.
Se repararmos em uma lógica sequencial, repararemos que não existe uma linearidade, conforme imaturamente concebemos, mas sim uma tentativa em ordenar dentro de uma perspectiva estruturante tal delineamento.
Sabendo que somos limitados por nossa percepção e que a realidade que apreendemos é apenas uma parcela particularizada do “todo” que tentamos conceber, ainda assim, a nossa própria partícula é resultado de uma série de fatores que podem inclusive deslegitimá-la enquanto verdade, pois que é moldada também por fatores que excedem nossa apreensão e mesmo o apreender é condicionado até certo ponto.
Partindo de tal pressuposto, temos uma realidade particularizante que é simulada de acordo com a influência exercida sobre nossa percepção, caracterizando assim diversos fatores alheios a nossa compreensão-perceptiva.
Mesmo se imaginarmos uma lógica dentro de uma perspectiva histórica, onde o fator espaço-temporal impera sobre uma lógica “construtiva”, ainda assim, e os digníssimos historiadores sabem a que me refiro, os lapsos são imensos, criando lacunas intransponíveis.
Mas é justamente a lacuna o fator que irá favorecer a perspectiva dentro de uma tentativa construtiva epistemológica, pois tendo em vista não podermos conceber o que nos escapa, criamos um ícone capaz de “suprir a falta”, tendo em vista que apresenta-se enquanto constatação de uma ausência.
Saramago uma vez expôs em sua obra, “Levantado do Chão”, que só existe aquilo que faz parte de nossa realidade, assim, para concebermos uma ausência, devemos percebê-la enquanto falta e manifestar um sentido que atue como elo, pois assim favorecemos o prosseguimento de uma tentativa de compreensão que não consegue diluir-se como o que falta, adequando-a ao que moldamos enquanto “real”.
Mesmo na construção de uma frase poderemos verificar as lacunas existentes entre palavras, ou mesmo entre letras, além de outros espaços mais evidentes que justamente remetem à intenção da lacuna como significado patente, fomentando no observador a busca pelo sentido da falta que há. No caso a que me refiro a lacuna aparece enquanto suplemento ao fator espacial, mas também podemos utilizá-la em uma lógica temporal.
Não conseguimos deixar de perceber o vazio, entretanto fornecemos a ele um sentido para que possamos atuar de forma lógica sobre aquilo que percebemos, ou seja, fazemos com que a falta se torne presença.
Olhamos as palavras escritas, entretanto, entre a nossa percepção óptica e o texto existem diversos fatores, desde o tempo que se leva a perceber até compreender o objeto capitado, como o espaço entre o foco e a imagem, diversos fatores encontram-se entre eu e o objeto, mas é o sujeito quem está determinando aquele instante de sua realidade, não percebendo toda uma diversidade de fenômenos incomensuráveis que ocorrem naquele momento.
O sujeito exclui o que é exterior a sua percepção, criando uma dialógica entre aquilo que é e o que não concebe ser, servindo-se da lacuna enquanto instrumentalização para superação do lapso criado por seu processo seletivo.
As lacunas estão mais presentes do que imaginamos, percebê-las é colocar-se diante da realidade e de forma reflexiva procurar compreendê-la, sabendo o limite do que conhecemos e a potencialidade hipotética daquilo que se apresenta enquanto não-conhecido, criando dentro de uma hermenêutica a concretização daquilo que não nos pertence e ao mesmo tempo é de direito de todos, pois se a realidade é particularizada, os lapsos são de domínio público, pois por não terem sido preenchidos, tornam-se passivos de um preenchimento conforme a vontade que os submeta, ao mesmo tempo podendo ser questionados obviamente pela escassa apresentação de sentido, o que também pode ser aplicado ao que concebemos como “conhecido”.
Conhecido e desconhecido são duas funções que se completam em uma perspectiva dialógica, significando que ausências dão sentido às aparências, pois, conhecendo os lapsos o contexto seria totalmente alterado, o discurso cairia em uma contradição e deixaria de existir. Assim como nós a cada interpretação, dialogamos com o que se apresenta diante dos olhos, o texto, e aquilo que iremos conceber, o não-aparente, o sentido que iremos criar. Criando, estaremos expondo uma fração e diversas outras ausências estarão se manifestando através deste ato, cabendo as que se depararem com nossa criação, perceber mais uma vez o diálogo entre o que expusemos e aquilo que nos escapou, servindo-se das lacunas para preencher aquilo que locutor e interlocutor puderam conceber, facilitando a compreensão mútua.
Dentro de uma lógica racional, podemos até conceber a palavra Deus, grosso modo falando, enquanto uma lacuna, para tentativa de compreensão metafísica, tendo em vista seu papel de preenchimento entre aquilo que excede a compreensão humana e a realidade perceptiva materializante.
As lacunas favorecem-nos para que possamos transitar entre as quebras e toda a ilogicidade que não podem ser compreendidas dentro da lógica racionalizante ocidental.
E quantas vezes nós mesmos assumimos a forma de lacunas, tendo em vista estarmos ausentes de tantas realidades que estão se construindo, sendo excluídos da percepção alheia e apresentando-se enquanto vazios ambulantes.
Assim, conclui-se que a lacuna é uma coadjuvante, buscando interagir e ao mesmo tempo só possuindo sentido quando relacionada aos extremos que busca interligar, o que de fato torna-a lógica, pois representa a falta de sentido por si só e ao mesmo tempo torna-se o sentido daquilo que deseja ser, pois representa a concretização do lapso e o preenchimento do mesmo.


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